Estados americanos entrarão em batalhas judiciais caso Suprema Corte proíba direito ao aborto no país

Estados americanos entrarão em batalhas judiciais caso Suprema Corte proíba direito ao aborto no país

Deputados de estados antiaborto pretendem aprovar leis punindo profissionais de estados vizinhos que ainda permitem o procedimento

Porto Velho, RO — Com a expectativa de que a Suprema Corte dos EUA derrube o direito ao aborto no país, uma nova batalha jurídica já está tomando forma à medida que deputados de estados antiaborto exploram maneiras de estender suas proibições a estados onde o procedimento ainda continua permitido.

Um esboço de parecer do juiz da Suprema Corte Samuel Alito vazado na semana passada — favorável a anular a histórica decisão Roe v. Wade, de 1973, que estabeleceu direito ao aborto — tem o potencial de desgastar as relações entre estados em lados contra e a favor ao procedimento e testar os limites constitucionais, de acordo com especialistas jurídicos.

— O juiz Alito argumentou que devolver o aborto aos estados reduzirá o conflito que vimos nos tribunais — disse Rachel Rebouche, reitora interina da Temple University Beasley School of Law. — Eu não vejo isso no futuro.

Especialistas da área jurídica disseram que observam propostas de longo alcance, como as do Missouri, que visam impedir que as mulheres viajem para fora do estado para interromper a gravidez ou obter medicamentos indutores de aborto em um estado onde o procedimento é legal.

Um projeto de lei apresentado em 2021 estenderia as restrições civis e criminais do estado para provedores em estados onde o aborto é legalizado, caso o procedimento fosse realizado em uma moradora do Missouri. E poderia ser aplicada até se um não morador tivesse relações sexuais no estado que levassem à concepção.

Locomoção

Essas leis provavelmente serão contestadas como violações da Cláusula de Comércio Inativo da Constituição dos EUA, que proíbe encargos indevidos sobre o comércio interestadual ou o direito de viajar, de acordo com especialistas.

— Um dos aspectos fundamentais de um sistema federal é a capacidade dos cidadãos dos EUA de cruzar as fronteiras estaduais, de se locomover — disse Lee Strang, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Toledo. — O Mississippi não pode dizer "Você não deve viajar para o Alabama para fazer abortos".

A proposta daria aos residentes do Missouri a capacidade de processar qualquer pessoa que realize um aborto em um moradora do estado ou que ajude uma moradora a obter o procedimento, mesmo que ela esteja fora das fronteiras estaduais.

Mary Elizabeth Coleman, a deputada republicana que apresentou a proposta, disse ao site Politico que ela se destinava especificamente a clínicas de aborto no estado vizinho de Illinois.

A proposta foi modelada em uma lei do Texas conhecida como S.B.8. Os críticos a rotularam de lei "vigilante" porque é imposta por cidadãos particulares, de modo que não se aplica à estratégia usual de buscar uma liminar para impedir que os agentes públicos apliquem a lei.

A Suprema Corte dos EUA se recusou a derrubar a lei do Texas.

Contra e a favor

Legisladores de todo o país prometeram reprimir o aborto, com algumas propostas pressionando novos limites legais. Na semana passada, legisladores republicanos da Louisiana apresentaram um projeto de lei que classificaria o aborto como homicídio e concederia direitos constitucionais desde o momento da fecundação.

Rachel Rebouche escreveu, em um trabalho de pesquisa, que a chamada "doutrina dos efeitos", que estende a jurisdição a eventos fora das fronteiras de um estado, pode permitir que um estado antiaborto tente processar os procedimentos realizados em estados onde ele é legal.

"Uma vez que um estado declara um feto uma vida separada, a doutrina dos efeitos pode resultar em crimes quase intermináveis, com processos relacionados a abortos fora do estado", escreveram Rebouche e seus coautores.

Estados que garantem o acesso ao aborto tomaram atitudes para proteger sua legislação. Em Connecticut, o governador Ned Lamont assinou um projeto de lei que protege os provedores de aborto de ações judiciais e processos por violar as leis contra o aborto de outro estado.

David Cohen, professor da Escola de Direito Thomas R. Kline da Universidade Drexel, disse que o aborto é uma questão tão controversa que poderia derrubar suposições jurídicas de longa data sobre a soberania de um estado.

Ele disse acreditar que seria inconstitucional que um estado aplicasse suas leis antiaborto contra provedores em um estado com direito ao aborto, mas devido aos muitos juízes conservadores do país, é difícil prever como os tribunais reagirão.


Fonte: O GLOBO
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