Em Washington, as ameaças nucleares de Putin provocam um alerta crescente

Em Washington, as ameaças nucleares de Putin provocam um alerta crescente

 

Analistas e autoridades estimam que chances da Rússia usar uma bomba atômica ainda são pequenas, mas alguns sinais do Kremlin são preocupantes

Porto Velho, RO 
- Pela primeira vez desde a Crise dos Mísseis em Cuba, em outubro de 1962, lideranças do governo russo estão fazendo ameaças nucleares explícitas, e autoridades em Washington tentam decifrar em quais cenários o presidente Vladimir Putin poderia usar uma arma nuclear tática para compensar os fracassos de suas tropas na Ucrânia.

Em discurso na sexta-feira, Putin reiterou tal hipótese, ao acusar os EUA e seus aliados da Otan de buscarem o colapso da Rússia e afirmar novamente que usaria “todos os meios disponíveis” para defender o território do país — que ele declarou que, a partir de agora, inclui quatro províncias da Ucrânia.

Putin relembrou ao mundo a decisão do presidente americano Harry Truman (1945-1953) de lançar bombas atômicas contra Hiroshima e Nagasaki há 77 anos, afirmando que “dessa forma, eles abriram um precedente”. 

No sábado, o aliado de Putin e chefe da república russa da Chechênia, Ramzan Kadyrov, disse que o presidente deveria considerar usar “armas nucleares de baixa capacidade”, se tornando o primeiro líder político na Rússia a pedir abertamente um ataque do tipo.

Autoridades nos EUA dizem que as chances de Putin usar uma arma nuclear ainda são baixas. Afirmam que não viram evidências de movimentações em seu arsenal, e uma análise recente do Pentágono sugere que os benefícios militares seriam poucos. E o custo para Putin — uma resposta internacional furiosa, talvez até dos chineses, de quem ele depende muito — deve ser enorme.

Mas eles estão mais preocupados com essa possibilidade agora do que estavam no começo do conflito, em fevereiro. Depois de uma série de retiradas humilhantes, um grande número de baixas e uma decisão impopular de convocar homens jovens para o Exército, Putin claramente vê a ameaça nuclear como uma forma de causar medo, e talvez recuperar algum respeito pela força da Rússia.

Mais importante, ele pode considerar a ameaça de usar parte de seu arsenal de cerca de 2 mil armas nucleares táticas para conseguir concessões que não conseguiu no campo de batalha. 

Tais armas envolvem ogivas menores e menos poderosas do que aquelas de mísseis intercontinentais, que podem destruir cidades inteiras. Algumas ogivas nucleares são tão pequenas que podem ser instaladas em projéteis de artilharia, mas têm capacidade de devastar e contaminar algumas áreas, ou uma base militar inteira.

Alguns analistas militares russos sugeriram detonar uma arma tática sobre algum lugar remoto, como o Mar Negro, como forma de demonstrar esse poder, ou talvez contra uma base militar ucraniana.

— Isso não é um blefe — disse Putin no mês passado, em um lembrete de que lançar um primeiro ataque com armas nucleares é parte integrante da estratégia militar russa.

Há oito dias, o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, disse que o uso de qualquer arma nuclear teria “consequências catastróficas” para a Rússia, e que, em comunicações privadas com Moscou, Washington “sinalizou” como os EUA e o mundo poderiam reagir. Sullivan evitou descrever os planos de resposta dos EUA ou Otan, sabendo que uma das chaves para a dissuasão nos tempos da Guerra Fria era ter algum grau de ambiguidade.

Em conversas de bastidores, integrantes do governo sugeriram que as opções incluem desconectar a Rússia da economia mundial ou algum tipo de resposta militar — apesar de que essa resposta provavelmente seria dada pelos ucranianos com armas convencionais fornecidas pelo Ocidente.

Importância existencial

Do lado russo, analistas e autoridades veem o espectro de um conflito nuclear como algo vantajoso. Uma vez que o resultado final da guerra na Ucrânia é de importância existencial para o Kremlin, mas não para a Casa Branca, dizem, os russos parecem acreditar que teriam alguma vantagem no teste de vontades que o uso de armas nucleares representaria.

Dmitry Medvedev, ex-presidente e vice-presidente do Conselho de Segurança russo, expôs essa tese na semana passada, em uma postagem no Telegram. Se a Rússia usar armas nucleares contra a Ucrânia, argumentou, uma intervenção militar da Otan seria improvável por causa do risco de que um ataque direto à Rússia levasse a uma guerra nuclear total.

“Demagogos do outro lado do Atlântico e europeus não vão arriscar um apocalipse nuclear”, escreveu. “Dessa forma, vão engolir o uso de qualquer arma no atual conflito.”

À medida que a extensão dos ganhos ucranianos em sua contraofensiva de setembro ficam aparentes, o governo de Joe Biden intensificou o estudo dos passos que Putin daria para mudar a percepção de que o Exército russo está perdendo a guerra. Em Washington, alguns viram parte de suas previsões se tornarem reais, como quando Putin anunciou uma mobilização parcial de reservistas.

Agora, com a anexação dos territórios ucranianos, a preocupação em Washington aumentou. Caso a Ucrânia consiga consolidar seus sucessos, e Putin enfrente uma derrota humilhante, autoridades americanas temem a possibilidade de que considere usar uma arma nuclear.

Equilíbrio instável

A revelação feita pelo conflito na Ucrânia — a de que as forças convencionais da Rússia são mal treinadas, pouco criativas e mal equipadas — deixou Putin mais dependente de suas armas não convencionais.

— Estamos em uma situação na qual a superioridade de recursos e armas convencionais está do lado do Ocidente — afirmou Vasily Kashin, especialista em questões militares e políticas na Escola Superior de Economia, em Moscou. — O poder da Rússia está baseado em seu arsenal nuclear.

O problema para Putin é como obter vantagens reais da força destrutiva das ogivas nucleares russas sem usá-las. A relutância de Biden em empregar forças americanas ou da Otan em ações diretas de combate, ou em oferecer à Ucrânia armas capazes de atingir alvos dentro do território russo, está baseada nas preocupações de uma escalada nuclear.

Mas Putin também enfrenta limitações. A ameaça de usar armas nucleares precisa soar crível, e a repetida menção ao seu arsenal pode minar sua eficácia. A ameaça pode ter mais sucesso do que usar uma bomba atômica, uma vez que o custo de romper um tabu de 77 anos pode ser astronomicamente alto para a Rússia. 

Muitos especialistas acham que ele só tomará essa decisão se a Rússia — ou o próprio Putin — sentir uma ameaça existencial.

— A possibilidade de Putin atacar do nada parece bem baixa — afirmou Graham Allison, autor de um livro clássico, de 1971, sobre a Crise dos Mísseis em Cuba. — Mas, como John Kennedy disse naquela época, o cenário mais plausível é aquele no qual o líder será forçado a escolher entre uma humilhação catastrófica e jogar um dado e talvez ter algum sucesso.

Allison acredita que Putin não se verá diante dessa escolha a menos que a Ucrânia consiga expulsar as forças russas das regiões anexadas na sexta-feira.

Por este motivo, as próximas semanas podem ser especialmente perigosas, segundo autoridades americanas e europeias. Putin também não deve usar uma arma nuclear imediatamente. Seus passos iniciais, segundo essa autoridades, podem envolver uma série de ações de sabotagem na Europa, ataques contra a infraestrutura de energia da Ucrânia ou atentados contra integrantes do governo ucraniano. 

Alguns suspeitam que ataques ao gasoduto Nord Stream podem ter sido um primeiro passo — mas ainda não está claro se a Rússia estava por trás da sabotagem.

Ao elevar o tom de suas ameaças nucleares, ao lado das anexações, Putin parece ter dois objetivos em mente. 

O primeiro é evitar que EUA e a Otan intervenham diretamente na Ucrânia. O segundo é forçar o Ocidente a recuar em seu apoio à Ucrânia, ou forçar os ucranianos a concordarem com negociações em uma posição de desvantagem.

As ameaças veladas de Putin sobre o uso de armas nucleares também sugerem que ele passou a considerar ataques de grande porte e com efeitos profundos. 

No ano passado, o presidente afirmou que qualquer um que ameaçasse os interesses centrais da Rússia enfrentaria uma resposta “assimétrica, direta e dura”. Em junho, foi vago ao ser questionado sobre como responderia se a Ucrânia e o Ocidente cruzassem certas “linhas vermelhas” na guerra.

Mas Putin alertou que a Rússia poderia atingir “centros de tomada de decisões”, um termo amplo que analistas interpretam como sendo ameaças a prédios governamentais e centros militares e políticos.


Fonte: O GLOBO
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